Crítica do CD Estórias por António Branco


...subsistem nomes que não são suficientemente conhecidos fora da esfera portuense, com claro prejuízo para os amadores de jazz do resto do País. Um exemplo é Carlos Mendes, músico cujo percurso enquanto guitarrista, compositor e docente fala por si...

«Carlos Mendes Quarteto – “Estórias (oito, por quatro)”


Diz o povo tripeiro, num sotaque dificilmente grafável, que “o Porto é uma nação”. Também no jazz a cidade invicta sempre tem dado cartas, se bem que os panoramas portuense e lisboeta só nos tempos mais recentes – salvas as devidas e honrosas exceções anteriores – têm dado passos concretos no sentido de uma verdadeira aproximação. Ainda assim, subsistem nomes que não são suficientemente conhecidos fora da esfera portuense, com claro prejuízo para os amadores de jazz do resto do País. Um exemplo é Carlos Mendes, músico cujo percurso enquanto guitarrista, compositor e docente fala por si. Nascido em 1964 na cidade da Praia, em Cabo Verde, iniciou aí a sua formação musical. Radicado em Portugal desde 1982, estudou – no que a guitarristas diz respeito – na Escola de Jazz do Porto com Ricardo Fabini e depois com Nuno Ferreira e Afonso Pais na Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo (Esmae), onde se licenciou em 2006 com bolsa de mérito. Bastante rodado no circuito de bares e com apresentações em inúmeros concertos e festivais na zona do Grande Porto, tocou com gente grada do jazz nacional como Carlos Azevedo, Jorge Reis, Mário Santos, Paulo Gomes e Hugo Alves, só para nomear alguns. No final do ano passado, Mendes lançou, pela Numérica, “Estórias (oito, por quatro)”, oito peças interpretadas pelo seu quarteto, que se completa com o pianista Paulo Barros, o contrabaixista Miguel Ângelo e o baterista Mário Costa. Barros é um nome seguro e de reconhecida valia, que com o seu pianismo ágil marca de forma vincada a sonoridade global do disco. Se o trabalho do baterista é conhecido sobretudo por via da sua participação no grupo de Hugo Carvalhais, com dois excelentes discos na Clean Feed, já o contrabaixista dá-se aqui a conhecer a um nível muito interessante. Este disco reúne composições originais de Mendes (quatro) e Barros (três), a que se junta um conhecido standard. As composições – assumidamente fundadas na tradição do jazz e amadurecidas antes da gravação – constroem-se sobre articulações entre guitarra e piano, que adquirem formas diversas, suportadas por uma secção rítmica que se revela competente e eficaz. A função abre com o balanço vigoroso de “Mitom”, da autoria do pianista, com o guitarrista a assumir o controlo das operações e a rubricar um solo inspirado. “Ostinato”, de atmosfera relaxada, mostra o contrabaixista na sua melhor intervenção. Mais nervosa, “Broken” atesta os acesos diálogos entre guitarrista e pianista. A “Balada”, plena de melodia, não engana, com Mendes a demandar um registo mais acústico. Mas o centro gravitacional do disco é a conseguida leitura de “Alone Together”, tema clássico de Arthur Schwartz e Howard Dietz (de “Flying Colors”, musical estreado na Broadway em 1932), com toda a formação a exibir bons níveis de interação. Não sendo, de todo, uma pedrada no charco, “Estórias (oito, por quatro)” encerra méritos suficientes para justificar audição.

António Branco»

Link: http://www.jazz.pt/ponto-escuta/2013/04/06/carlos-mendes-quarteto-estorias-oito-por-quatro-numerica/